A inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) no mercado de trabalho é um dos grandes desafios atuais, envolvendo não apenas a garantia de direitos fundamentais, mas também a efetivação de práticas empresariais que assegurem a verdadeira equidade. Embora a legislação incentive a contratação, a realidade mostra que as barreiras vão muito além da falta de oportunidades. São obstáculos estruturais, sociais e culturais que dificultam a entrada, o desenvolvimento e a permanência desses profissionais.
Neste artigo abordaremos quais dificuldades o portador de cada tipo de deficiência pode enfrentar, assim como quais políticas as empresas podem adotar para adaptar suas estruturas e cargos para receber esses profissionais e cumprir a legislação.
Contexto Constitucional e Direitos Fundamentais
A Constituição Federal de 1988 estabelece, no art. 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, garantindo o direito à igualdade e equidade. Essa norma é a base para o combate à discriminação e também auxilia na promoção de oportunidades mais justas para as pessoas com deficiência.
Além disso, o art. 7º, XXXI, da CF, veda qualquer discriminação em relação ao salário e critérios de admissão para essas pessoas, assim como, o art. 37, VIII, que prevê a reserva de cargos públicos para PCDs, reforçando o princípio da inclusão no setor público também.
Diversas leis regulamentam os direitos das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, entre as quais destacam-se:
- Lei nº 8.213/1991 (Lei de Cotas): o art. 93 determina que empresas com 100 ou mais empregados reservem de 2% a 5% das vagas para PCDs. Sendo distribuídos na seguinte proporção: até 200 empregados...........................................................................................2%;de 201 a 500.......................................................................................................3%;de 501 a 1.000....................................................................................................4%;de 1.001 em diante. ...........................................................................................5%.
- Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência): Institui a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), assegurando condições de igualdade, acessibilidade e adaptações razoáveis para a participação plena e efetiva no mercado de trabalho.
- Decreto nº 3.298/1999: Regulamenta a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, incluindo diretrizes sobre acessibilidade e capacitação profissional.
Os tipos de deficiência e os níveis de dificuldade na contratação
As barreiras para a contratação variam consideravelmente dependendo do tipo de deficiência. Embora o ideal seja focar nas habilidades de cada pessoa, e não em suas limitações, a sociedade ainda impõe desafios distintos para cada grupo.
- Deficiência Física: De acordo com o artigo 4º, inciso I do Decreto 3.298/99, será considerada como deficiência física a alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.Pessoas com deficiência física frequentemente enfrentam barreiras de acessibilidade física. A falta de rampas, elevadores, banheiros adaptados e mobiliário acessível é um dos principais obstáculos. A discriminação também existe, baseada em preconceitos sobre a capacidade de realizar determinadas tarefas. No entanto, com as adaptações corretas, a inserção no mercado pode ser mais fácil se comparada a outras deficiências, pois o foco está nas adaptações do ambiente, e não necessariamente nas habilidades cognitivas.
- Deficiência Visual: O artigo 4º, inciso III do Decreto 3.298/99 identifica como deficiência visual a cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.Para pessoas cegas ou com baixa visão, as dificuldades enfrentadas são com a acessibilidade digital e a falta de recursos assistivos. A maioria dos sistemas e programas de computador não são compatíveis com leitores de tela, ou seja, não estão adaptados para transformar o conteúdo escrito em áudio. Isso impede a participação plena de profissionais com deficiência visual em tarefas que exigem o uso do computador. A crença de que a deficiência visual limita drasticamente a capacidade de trabalho é um forte preconceito. Contudo, há avanços significativos em tecnologias assistivas, como o uso de softwares de leitura, que permitem que essas pessoas trabalhem em diversas áreas, desde programação até redação.
- Deficiência Auditiva: O inciso II do artigo 4º do Decreto 3.298/99 define como deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;A principal barreira para pessoas surdas ou com deficiência auditiva é a comunicação. A falta de intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) em reuniões ou treinamentos, e o desconhecimento da língua por parte dos colegas e gestores, dificulta a interação e a plena participação. O preconceito muitas vezes leva à percepção errônea de que a comunicação é impossível, limitando as oportunidades.
- Deficiência Intelectual/Mental: Já para a deficiência intelectual/mental, está disposta do inciso IV do artigo 4º do Decreto 3.298/99, sendo considerado o funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização dos recursos da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e
h) trabalho;
V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.
A contratação de pessoas com deficiência intelectual é a que enfrenta o maior preconceito e a menor taxa de inclusão no mercado formal. A crença de que essas pessoas não são capazes de aprender ou de desempenhar tarefas complexas é predominante. As dificuldades estão relacionadas não apenas à falta de qualificação, mas à inexistência de vagas e cargos que considerem suas habilidades únicas, como a capacidade de focar em tarefas repetitivas e sua lealdade à empresa. Programas de treinamento e mentorias são essenciais para uma inclusão bem-sucedida.
As barreiras mais comuns
A jornada de uma pessoa com deficiência em busca de emprego é frequentemente marcada por diversas dificuldades. Uma das principais barreiras é o preconceito e a falta de informação por parte dos empregadores e gestores. A crença equivocada de que a deficiência afeta a produtividade ou que a adaptação do ambiente de trabalho é cara e complexa ainda é generalizada.
Outro ponto crítico é a falta de acessibilidade física e digital. Muitas empresas não possuem rampas, banheiros adaptados ou mobiliário acessível. Além disso, a falta de ferramentas de tecnologia assistiva ou de sites e sistemas não acessíveis impede a participação plena de pessoas com deficiência visual ou auditiva, por exemplo.
A baixa escolaridade e qualificação profissional também são fatores que agravam a exclusão. A falta de acesso a uma educação de qualidade e a cursos profissionalizantes, adaptados às necessidades específicas, limitam as chances de inserção no mercado de trabalho formal.
Por fim, a legislação, embora fundamental, pode ser mal interpretada ou não aplicada de forma eficaz. A Lei de Cotas (Lei nº 8.213/91) exige que empresas com 100 ou mais funcionários destinem de 2% a 5% de suas vagas a pessoas com deficiência. No entanto, muitas empresas preferem pagar multas a cumprir a lei, ou preenchem as vagas apenas para cumprir a cota, sem de fato promover uma inclusão genuína, o que acaba prejudicando o intuito fundamental da lei: assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Por isso é imprescindível as empresas se conscientizarem do seu real papel na inclusão social dessas pessoas no mercado de trabalho.
Políticas Públicas e Práticas Empresariais inclusivas
Para que a inclusão seja efetiva, é preciso um esforço conjunto entre governo, empresas e sociedade.
As políticas públicas têm um papel fundamental nesse processo. A Lei de Cotas, apesar de seus desafios, é um marco importante. Além dela, é essencial investir em:
- Educação inclusiva: Garantir que as escolas públicas e privadas sejam acessíveis e ofereçam suporte pedagógico adequado.
- Qualificação profissional: Criar programas de capacitação e cursos técnicos voltados para as necessidades das pessoas com deficiência.
- Incentivos fiscais: Oferecer benefícios para empresas que investem em acessibilidade e em programas de inclusão.
As empresas, por sua vez, precisam ir além do simples cumprimento da lei. A inclusão deve ser vista como um valor, e não como uma obrigação. Algumas práticas que fazem a diferença são:
- Treinamento de Gestores e Equipes: Conscientizar os colaboradores sobre a importância da diversidade e inclusão, eliminando preconceitos e estereótipos.
- Acessibilidade Universal: Investir em adaptações físicas e tecnológicas que beneficiem a todos, não apenas às pessoas com deficiência.
- Criação de Vagas e Planos de Carreira Inclusivos: Desenhar cargos que considerem as habilidades e potencialidades de cada pessoa, e não apenas a deficiência.
- Programas de Mentoria: Acompanhar o desenvolvimento dos profissionais com deficiência, oferecendo suporte e oportunidades de crescimento.
Dados estatísticos
O panorama da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro é complexo, com dados que revelam tanto o avanço gradual quanto a persistência de desigualdades. As estatísticas a seguir, baseadas em relatórios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), ilustram a realidade e reforçam a necessidade de ações mais eficazes.
- Taxa de participação na força de trabalho: De acordo com o IBGE (2022), a taxa de participação na força de trabalho para pessoas com deficiência era de apenas 29,2%, menos da metade do que a das pessoas sem deficiência, que era de 66,4%.
- Nível de ocupação: Apenas 26,6% das pessoas com deficiência estavam empregadas em 2022, enquanto entre as pessoas sem deficiência esse percentual chegava a 60,7%.
- Informalidade: Cerca de 55% das pessoas com deficiência que trabalham estão na informalidade, uma taxa significativamente maior do que os 38,7% entre as pessoas sem deficiência.
- Rendimento médio: O rendimento médio habitual de uma pessoa com deficiência ocupada é de aproximadamente R$ 1.860,00 (um mil, oitocentos e sessenta reais), cerca de 30% menor do que o rendimento de uma pessoa sem deficiência.
A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho não é um ato de caridade, mas sim um investimento em diversidade, inovação e em um ambiente corporativo mais rico e produtivo. Superar os desafios exige compromisso, educação e a disposição de enxergar o potencial humano acima de qualquer barreira.
Conclusão
A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho vai além do cumprimento de cotas. É um compromisso ético e um fator de inovação e crescimento para as empresas. Os dados estatísticos revelam um cenário de persistente desigualdade, mas também indicam um caminho de progresso possível. A superação dos desafios — do preconceito à falta de acessibilidade — exige um compromisso mútuo entre governo, empresas e sociedade.
É fundamental que as políticas públicas sejam fortalecidas e que as empresas adotem a inclusão como um valor estratégico, investindo em acessibilidade, treinamento e na criação de um ambiente de trabalho verdadeiramente acolhedor. Ao reconhecer e valorizar o potencial humano, independentemente de suas diferenças, o mercado de trabalho se torna mais justo, diverso e competitivo.
Para aprofundar seu conhecimento sobre as leis que regem as relações de trabalho no Brasil, incluindo os direitos e deveres de empregadores e empregados, recomendamos a leitura de nosso e-book Guia Básico sobre Legislação Trabalhista.
Nele você encontrará um panorama completo sobre a legislação trabalhista, desde o contexto histórico das relações de trabalho no Brasil até as mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista. Além disso, abordamos os principais direitos assegurados aos trabalhadores e as novidades que podem impactar o mercado nos próximos anos.
Não perca a oportunidade de se manter informado e garantir que sua empresa esteja sempre em conformidade com a legislação. Acesse agora e esteja preparado para as mudanças!
Fique por dentro de tudo que acontece no universo contábil!
Nós sabemos que a rotina do contador não é fácil. São diversos prazos, vencimentos e obrigações para cumprir – além de precisar acompanhar toda e qualquer mudança na legislação que pode ocasionar mudanças nas entregas dos clientes do escritório contábil.
Pensando nisso, a Contmatic criou um espaço único e pensado por contadores – a Comunidade Contábil Brasil. Ele é um ambiente online para responder a todas as dúvidas relacionadas à legislação nas áreas jurídica, societária, previdenciária, trabalhista e tributária.
Junto a isso, consolidamos as principais leis que impactam as obrigações legais para você estar mais atualizado e super seguro nas tomadas de decisão. Clique aqui e saiba mais!
Veja mais algumas notícias semelhantes a contabilidade para empresas em nosso blog. Aproveite e conheça melhor a Contmatic Phoenix.
Feito com ❤ pela Comunidade Contábil Brasil

Comentários