Fim da escala 6x1: qual a proposta e possíveis impactos?

Trabalhista 10 de Dez de 2024

Antes de adentrarmos no tema, é importante entender o contexto histórico que envolve as relações trabalhistas no Brasil, para podermos ter uma visão do que essa mudança pode significar e impactar. Você conhece a história da relação do trabalho no Brasil? Bora entrar nessa jornada conosco? 

O Contexto Histórico das Relações de Trabalho no Brasil

As relações de trabalho no Brasil têm suas raízes em um cenário de extrema desigualdade, iniciado no período colonial, com a exploração da mão de obra escrava, principalmente nas lavouras de cana-de-açúcar e, mais tarde, no cultivo do café. 

Até 1888, com a abolição da escravidão, o país não tinha um sistema formal que regulamentasse as relações de trabalho. 

Com a chegada de trabalhadores imigrantes e o início da industrialização, o país começou a lidar com a realidade de uma força de trabalho livre, mas não protegida, ou seja, o trabalho era realizado em condições precárias, sem direitos ou regulamentação.

O Início da Legislação Trabalhista

Na Primeira República (1889–1930), as condições de trabalho eram extremamente precárias, com jornadas de até 16 horas diárias, ausência de descanso regular e nenhuma proteção legal. A pressão dos movimentos sindicais emergentes e o crescimento das indústrias urbanas levaram o governo a reconhecer a necessidade de regulamentação.

O divisor de águas veio com o governo de Getúlio Vargas, na década de 1930. A partir desse período, o trabalho passou a ser reconhecido como um direito social. A criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 consolidou direitos como jornada de 8 horas diárias, descanso semanal remunerado e férias anuais. Esse marco é considerado o alicerce das relações trabalhistas modernas no Brasil.

A Criação do 13º Salário

Outro marco importante na história das relações trabalhistas no Brasil foi a criação do 13º salário, instituído pela Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, durante o governo de João Goulart. A medida foi concebida para oferecer aos trabalhadores formais um pagamento extra no final do ano, equivalente a um salário mensal, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e aquecer a economia no período natalino.

A instituição do 13º salário foi uma resposta às demandas sociais por mais justiça econômica e um reflexo das políticas de proteção ao trabalhador que marcaram aquele período. Apesar das críticas iniciais de setores empresariais, o benefício se consolidou como um direito fundamental dos trabalhadores e permanece até hoje como uma das mais importantes conquistas da legislação trabalhista brasileira.

Constituição de 1988: A Carta Cidadã

Com a redemocratização, a Constituição Federal de 1988 garantiu avanços significativos, incluindo a jornada semanal máxima de 44 horas, a regulamentação de direitos como o adicional de horas extra, a proibição do trabalho infantil (salvo na condição de aprendiz), a ampliação de benefícios sociais, como o FGTS e a licença-maternidade e o fortalecimento da proteção previdenciária.

As Reformas Recentes e os Desafios Atuais

Nos últimos anos, a legislação trabalhista passou por mudanças significativas, especialmente com a Reforma Trabalhista de 2017. Essa reforma buscou flexibilizar as relações de trabalho, incluindo a criação de novas modalidades, como o trabalho intermitente, e a possibilidade de negociações coletivas prevalecerem sobre a legislação em pontos específicos.

No entanto, essas mudanças também levantaram debates sobre o equilíbrio entre a modernização das relações de trabalho e a proteção dos direitos adquiridos. Em um cenário de avanços tecnológicos e transformações no mercado de trabalho, a discussão sobre escalas de jornada, como o regime 6x1, ganha relevância.

Isto porque, em meio a esse cenário de transformações constantes, surge a proposta de emenda constitucional (PEC) que visa abolir a escala de trabalho 6x1. A escala que prevê seis dias de trabalho seguidos por um de descanso é historicamente associada a jornadas intensas, sobretudo em setores como comércio e serviços. A iniciativa busca atualizar a legislação e alinhar as relações de trabalho às demandas contemporâneas de equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Qual é a proposta?

De autoria da deputada Erika Hilton (SP), líder do Psol, a proposta tem por objetivo acabar com a jornada de trabalho de 6x1, estabelecendo uma escala de 4 dias de trabalho seguido de 3 dias de descanso, cuja jornada semanal, que antes era de 44h, passará ser de até 36 horas semanais, mas isso, sem a redução do salário. 

Vale ressaltar que um projeto semelhante, porém bem menos divulgado, também tramita na Câmara dos deputados, a PEC 221/19, de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT - MG), cuja proposta é manter a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias, mas com redução na jornada semanal para 36 horas, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Ela tem como prazo de implantação 10 anos após sua aprovação.No entanto, nada cita a respeito de manter o salário integral. 

De acordo com o deputado Reginaldo Lopes, autor da PEC 221/19, “a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais aparentemente tem um potencial para aumentar em mais de 500 mil novos empregos [...] nas regiões metropolitanas; este valor está próximo da variação do emprego ocorrida após a redução da jornada de trabalho em 1988, que passou de 48 para 44 horas semanais. Como a variação do emprego ocorrida de 1988 para 1989 foi de aproximadamente 460 mil nos postos.” 

Para acompanhar o andamento da PEC 221/19, acesse aqui: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2233802

Por outro lado, a proposta da deputada Erika Hilton, que tem ganhado muito apoio e grande visibilidade na mídia e entre os trabalhadores, contando com 2.964.243 assinaturas*, pretende, além de reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais, cuja escala passa a ser de 4 dias trabalhados com 3 de descanso, defende que deve manter o salário integral. 

De acordo com a deputada: “O Movimento “Vida Além do Trabalho” (VAT), liderado pelo trabalhador Ricardo Azevedo, lançou uma petição nacional mobilizando os trabalhadores na luta contra a jornada de trabalho 6x1, com reivindicação de reformas pró-trabalhador para a adoção de jornadas 4x3 no Brasil. [...] É de conhecimento geral que a jornada de trabalho no Brasil frequentemente ultrapassa os limites razoáveis, sendo a escala de trabalho 6x1 uma das principais causas de exaustão física e mental dos trabalhadores. A carga horária imposta por essa escala afeta negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares”

Por que 4x3 ao invés de 5x2?

A escala 5x2 é comumente utilizada pelas empresas que trabalham de segunda a sexta e compensam o sábado durante a semana, mantendo a jornada determinada em legislação, de 44 horas semanais, assim como há também aquelas empresas que trabalham 8h diárias, não compensando o sábado e assim, laboram 40 horas semanais, visto que algumas categorias possuem jornada de trabalho diferenciada, limitando o labor semanal para até 40 horas ou menos. 

Vale ressaltar que existe uma outra Proposta de Emenda à Constituição, de autoria do senador Rogério Carvalho, a PEC 148/2015, cuja proposta também é para a redução de jornada, no qual estabelece que a duração do trabalho normal não será superior a oito horas diárias e trinta e seis semanais, em até cinco dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho e repouso semanal remunerado de, no mínimo, dois dias, preferencialmente aos sábados e domingos, isto é, ele pretende estabelecer a escala de trabalho 5x2 para todos os trabalhadores do Brasil. 

Em relação a proposta da deputada Erika Hilton, ela entende que toda proposta está sujeita a mudanças, então, ao estabelecer a jornada 4x3, a negociação fica mais fácil para uma flexibilização e ajustes que se façam necessários. Então, considerando todos os projetos aqui apresentados, que tem por objetivo a redução de jornada, cabe um estudo mais aprofundado para analisar os impactos e qual escala é a mais viável do ponto de vista econômico e social, sem prejudicar o trabalhador e nem os empresários. 

Redução da jornada sem redução de salário

Atualmente nossa legislação consagra que é proibida a redução salarial, salvo em caso de acordo coletivo ou convenção coletiva (artigo 7º, inciso VI da Constituição Federal). Outra possibilidade de redução salarial, trazida pela Reforma Trabalhista, ocorre nas situações de redução de carga horária mediante acordo com o sindicato, porém, a proteção ao emprego deve ser garantida enquanto durar a validade do acordo. 

Vale ressaltar que uma PEC não pode violar as cláusulas pétreas da Constituição e nem os direitos e garantias individuais dos cidadãos. Ou seja, a proposta da deputada Erika mantém o salário integral visto que nossa legislação proíbe que os direitos e garantias individuais dos cidadãos sejam prejudicados. 

Tanto a proposta de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL), quanto a PEC do deputado Reginaldo Lopes (PT - MG) visam a redução da jornada de trabalho, de 44 horas, para 36 horas semanais.

Com a medida, eles esperam atacar o desemprego no País. “Em vários países, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial tem sido discutida como um dos instrumentos para preservar e criar empregos de qualidade e possibilitar a construção de boas condições de vida”, afirma Reginaldo Lopes.

“Esta redução poderia impulsionar a economia e levar à melhoria do mercado de trabalho. Isto permitiria a geração de novos postos, diminuição do desemprego, da informalidade, da precarização, aumento da massa salarial e da produtividade. Teria como consequência o crescimento do consumo.”

Reginaldo Lopes acredita que a redução proposta poderá gerar mais de 500 mil novos empregos apenas nas regiões metropolitanas.

Quais impactos isso pode causar?

Aumento de custo com produtos e serviços, em razão da mão-de-obra mais onerosa aos empregadores, visto que para manter o mesmo período de funcionamento, com aprovação da mudança na jornada, haveria necessidade de contratar mais empregados, desta forma, o que antes era feito por 1 trabalhador, agora necessita de 2. 

Por outro lado, também aumentaria a geração de emprego, já que o empregador precisaria de mais trabalhadores e, consequentemente, com a redução no número de desempregados, haveria mais dinheiro circulando com poder de compra atingindo outros consumidores, o que pode melhorar a economia do país. 

Especialistas afirmam que com a redução da jornada de trabalho sobra mais tempo para qualificação profissional, melhora produtividade, a saúde, qualidade do sono, interação social, reduz o risco de afastamentos e burnout, dentre outros.

Outra situação a ser observada refere-se às empresas que possuem obrigações acessórias de alta demanda, como, por exemplo, o setor de contabilidade. Para esses trabalhadores a implementação da redução da escala sem a devida análise e adaptação à realidade do nosso país pode causar um aumento nos níveis de estresse dos trabalhadores, pois , ainda que ocorra a redução da jornada, se for mantida a carga de trabalho e das tarefas, isso exigiria que entregassem a mesma quantidade de demandas em menor tempo.

Enfim, esses são alguns dos impactos levantados para a mudança. 

É fato que existem ônus e bônus para essas propostas e que é necessário um estudo aprofundado para avaliar os impactos sociais e econômicos, mas pensando em já se antecipar para minimizar os possíveis impactos de uma sobrecarga de trabalho com redução no tempo de trabalho, preparamos um e-book de PRODUTIVIDADE CONTÁBIL - CONSTRUA UMA ROTINA OTIMIZADA NO SEU ESCRITÓRIO para você construir uma rotina otimizada no seu escritório e organizar melhor seu tempo. 

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Onde essa escala já foi testada? Quais países aderiram? Ela funciona?

Islândia

  • Experiência pioneira: Entre 2015 e 2019, o governo islandês testou jornadas de trabalho reduzidas (de 40 para 35 ou 36 horas semanais) sem redução salarial. Algumas empresas aplicaram a escala 4x3.
  • Resultados: A produtividade se manteve estável ou melhorou, e os trabalhadores relataram melhorias significativas no bem-estar e no equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Nova Zelândia

  • A empresa Perpetual Guardian, em 2018, adotou uma semana de quatro dias para seus funcionários. O modelo mostrou ganhos em produtividade, engajamento e redução do estresse.
  • A experiência inspirou outras empresas locais a testar escalas como 4x3.

Japão

  • Empresas como a Microsoft Japão implementaram semanas de quatro dias de trabalho em projetos-piloto, observando um aumento de até 40% na produtividade.
  • Apesar disso, a cultura de trabalho intensiva do país ainda limita a adoção ampla.

Espanha

  • Em 2021, o governo espanhol iniciou um programa piloto para reduzir a semana de trabalho em algumas empresas, financiando parte dos custos da adaptação. A escala 4x3 foi usada em alguns casos.

Reino Unido

  • Em 2022, mais de 60 empresas participaram de um experimento com semanas de trabalho reduzidas, muitas adotando a escala 4x3. Resultados preliminares mostraram alta satisfação dos funcionários e manutenção da produtividade.

Estados Unidos

  • Empresas privadas de tecnologia, saúde e outros setores têm experimentado a escala 4x3. Embora ainda não haja regulamentação ampla, o modelo está ganhando popularidade como um diferencial competitivo para atrair talentos.

Quais trâmites para que a proposta se torne realmente uma PEC?

Eram necessárias as assinaturas de ao menos 171 dos 513 deputados. Atualmente o projeto possui aproximadamente 231 assinaturas, portanto, já alcançou o apoio necessário para começar a tramitar no Congresso.

E depois, quais são os próximos passos?

A PEC começa a tramitar na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), que analisa a admissibilidade da proposta. Se aprovada, passará por votação em dois turnos no plenário da Câmara, exigindo o apoio de pelo menos 308 deputados. Após aprovação do plenário, será encaminhada ao Senado, onde também precisará ser votada e aprovada em dois turnos.

Portanto, como até o momento a proposta ainda está no estágio inicial, ou seja, irá para avaliação da CCJ e devemos aguardar as cenas dos próximos capítulos. 

Conclusão 

A mudança de uma jornada 6x1 para 4x3 apresenta desafios econômicos e organizacionais, especialmente devido aos custos adicionais para os empregadores. Contudo, os potenciais benefícios sociais, como a criação de empregos, o aumento do bem-estar dos trabalhadores e a melhoria da saúde mental, são promissores.

Essa transição pode contribuir para uma economia mais dinâmica e resiliente a longo prazo, ao redistribuir empregos e fomentar o consumo. Porém, sua implementação requer planejamento cuidadoso, políticas públicas de suporte e um diálogo equilibrado entre empregadores, trabalhadores e o governo, para que os benefícios sejam amplamente distribuídos e os impactos negativos minimizados. E aí, qual a sua opinião sobre o fim da escala 6x1?


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