Novas Regras do Preço de Transferência aproximam o Brasil à OCDE
O final de 2022 foi muito esperado! Como habitual, as festividades religiosas e os desejos por um novo ano vieram acompanhados de desejos de um ano melhor.
Neste turbilhão de emoções, correria para finalizar o ano com todas as obrigações acessórias em dia, os trabalhos de encerramento que fazem parte da rotina do mundo contábil e tributário, foram publicadas muitas alterações na esfera tributária.
Talvez a mais aguardada era aquela que traria novidades às regras do Preço de Transferência, e aproximaria o Brasil à OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. E assim, em 29 de dezembro de 2022 foi publicada a Medida Provisória, no Diário Oficial da União (DOU) n. 1.152/2022.
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O que se sabe até agora é que há mais incertezas do que certezas acerca desta publicação. Dúvidas como, se esta medida provisória virará Lei ou se será revogada pelo atual Presidente da República, qual a metodologia de cálculo, como a Receita Federal tratará a Instrução Normativa, e por aí se seguem.
Mas antes de falarmos sobre a tal Medida Provisória, há que colocar todos sob o mesmo teto de conhecimento, e por isso vamos rever alguns conceitos.
Preço de Transferência, sua utilidade e importância.
Muitos acreditam que Preço de Transferência é invenção do povo brasileiro, mas não é, se bem é verdade que nós conseguimos complicar tudo sobremaneira, mas não é apenas invenção de quem vive em terras tupiniquins. O preço de transferência é muito importante para proteger a economia do país de compras superfaturadas (importações) ou vendas subfaturadas (exportação).
Para entendermos melhor, vamos supor que uma determinada empresa decida remeter valores para sua matriz que está situada em um país estrangeiro, e há várias formas de fazer isto, através de dividendos, royalties etc. e todas possuem sua tributação específica.
Mas vamos supor ainda, que a empresa caia na tentação de cometer um crime fiscal (sonegação de tributos) remetendo valores disfarçado de compra de matéria prima, serviços ou produto acabado, assim, se a empresa compraria por USD 100,00, colocaria o preço superfaturado por USD 150,00 inflando seu custo.
Aqui temos dois aspectos, o primeiro referente ao resultado da empresa (lucro líquido), uma vez que o custo está inflado o lucro acaba sendo menor e, portanto, o pagamento de tributos sobre o lucro também será reduzido (no caso da modalidade Lucro Real) e no segundo ponto é a remessa deste montante adicional (os USD 50,00) disfarçado de compra de produtos, serviços ou matéria prima sem o devido pagamento de tributos.
Aqui está a utilidade e a importância do preço de transferência, proteger o mercado nacional e por consequência o mercado estrangeiro de ações de sonegação fiscal, formando assim uma bolha protetora mundial.
As regras do Preço de Transferência determinam através de cálculos e metodologia qual o valor máximo que este produto, serviço ou matéria prima pode ser importado ou exportado. No nosso exemplo, apenas didaticamente, vamos supor que o cálculo demonstrasse que o preço máximo permitido para ingresso no país (chamado preço parâmetro) fosse de USD 130,00.
Portanto, a diferença USD 20,00 teria que ser adicionado à base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido como despesa indedutível, o que resultaria no pagamento de até 34% do tributo, muito maior que o pagamento como royalties, dividendos ou outra forma de remessa.
Demos exemplo de importação, mas o mesmo acontece na exportação, mas de forma oposta.
Quem está sujeito às Regras do Preço de Transferência?
Poderíamos falar da definição da Lei 12.715/12 ou IN 1.870/19, ainda vigente, mas como o foco é a MP 1.152/22, vamos nos ater ao que diz o artigo 3°:
“transação controlada compreende qualquer relação comercial ou financeira entre duas ou mais partes relacionadas, estabelecida ou realizada de forma direta ou indireta, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma e série de transações.”
E agora precisaremos entender o que são partes relacionadas, na seção III artigo 4°:
“considera-se que as partes são relacionadas quando no mínimo uma delas estiver sujeita à influência, exercida direta ou indiretamente por outra parte, que possa levar ao estabelecimento de termos e condições em suas transações que divirjam daqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis …”
E o artigo segue com exemplos do que considera como partes relacionadas, mas a grosso modo podemos entender que, qualquer operação que ocorra em remessa de divisas (operações de importação ou exportação cuja modalidade preveja algum tipo de pagamento) está sujeita às regras do preço de transferência.
Deste modo compra, venda, pagamento de juros, ou qualquer outra modalidade.
Este parágrafo traz algumas novidades (e outras nem tão novas assim), como:
“IV – as entidades incluídas nas demonstrações financeiras consolidadas, ou que seriam incluídas caso o controlador final do grupo multinacional de que façam parte preparasse tais demonstrações se o seu capital fosse negociado nos mercados de valores mobiliários de sua jurisdição de residência;
V – as entidades, quando uma delas possuir o direito de receber, direta ou indiretamente, no mínimo vinte e cinco por cento dos lucros da outra ou de seus ativos em caso de liquidação;”
O objetivo é aproximar as regras ao princípio do Arm’s Length.
O Princípio do Arm’s Length, a OCDE e o Brasil no cenário internacional.
Vamos dar uma pequena pausa na leitura sobre a medida provisória para entendermos este princípio. Arm´s Lenght (ALP) duas palavras de origem inglesa, será agora uma expressão cada vez mais usada, e que define o conceito de “Princípio de Plena Concorrência”.
Tem por objetivo garantir que as regras de preço de transferência estejam em “pé de igualdade” entre dois países contribuintes sem que um leve vantagem sobre o outro.
Note que tais regras e o princípio não são tão novos como muitos pensam, a OCDE publicou em 1979 a primeira versão das Diretrizes de Preços de Transferência e estabeleceu como ponto fundamental o princípio do “Arm´s Length”.
Já em 2018, a Receita Federal do Brasil iniciou um projeto de profunda análise da legislação brasileira sobre as regras aplicáveis à tributação internacional e preço de transferência, o foco estava na adequação à adesão internacional com detalhamento de quais passos seriam necessários serem seguidos.
Em julho de 2019 a OCDE preparou um minucioso documento sugerindo que o Brasil adotasse o princípio de “Arm´s Lenght”. Naturalmente que as posições entre OCDE e RFB (Receita Federal do Brasil) eram conflitantes, e disso nasceu um relatório oficial, o “Transfer Pricing in Brazil”: Towards Convergence with the OECD Standard”, e este relatório não dizia que o Brasil aceitaria todas as regras da OCDE, mas já era um primeiro passo a esta aproximação.
Talvez o leitor possa até se sentir entediado com tantas siglas, datas e termos em língua inglesa, mas vale o entendimento que este assunto não é tão novo e que o Brasil sente a necessidade de regras de preço de transferência mais justas e igualitárias do ponto de vista internacional.
Os novos métodos de cálculo
Não é nosso intuito detalhar cada método de cálculo, até porque há que se aguardar que a MP seja transformada em lei e, é prudente entender como a RFB tratará este assunto através de uma Instrução Normativa (IN).
É sabido que uma IN não poderá se sobrepor a Lei, muito menos entrar em conflito, mas vale lembrar que isto já aconteceu no passado. Em 2002 a RFB publicou a IN 243 que entrava em conflito direto com a Lei 9.430/96, implicando no aumento da carga tributária para os contribuintes.
Basicamente, a diferença dizia respeito à forma de apurar a margem de lucro a ser deduzida do preço líquido de revenda, com impacto na definição da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A Lei 9.430/96, inciso II, previa que essa margem de lucro seria obtida a partir de um percentual de 60% sobre o valor do preço líquido de venda do produto.
A IN 243/02, por sua vez, definia que essa margem deve ser calculada a partir da aplicação desse percentual de 60% sobre “a participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido”. Foi criado o imbróglio tributário que perdurou e ainda perdura, em alguns casos, por muitos anos, elevando ainda mais o chamado custo Brasil.
Enquanto não sabemos quando e se a MP será transformada em Lei e posteriormente publicada em Instrução Normativa, vamos discutir apenas conceitos. A nova MP admite cinco possíveis critérios de cálculos, que incluem preços, margens de lucro, índices, divisão de lucros e demais dados que possam contribuir para a formação do preço de transferência, os chamados indicadores financeiros.
O artigo 11 define assim:
- I) Preço Independente comparado – PIC
- II) Preço de Revenda menos lucro – PRL
III) Custo mais Lucro – MCL
- IV) Margem Líquida de Transação MLT
- V) Divisão do Lucro MDL
Alguns desses métodos já existiam na Lei 12.715/12, outros receberam uma roupagem nova e novos métodos inseridos.
Em síntese, o PIC agora prevê o uso em commodities, o PRL e MCL trabalham com margens, mas ao contrário da sistemática atual que trabalha com margens fixas (no caro do PRL, já o MCL é o novo método inserido) estes dois métodos trabalham com margens que serão apuradas na análise de transações com empresas não controladas, gerando a necessidade de ajustes nas margens brutas apuradas na revenda e produção com base nestas comparações.
Já o MLT e MDL trazem a novidade da comparabilidade das margens líquidas apuradas pelos diferentes membros da cadeia de produção e distribuição.
Outras disposições
Ao aproximar-se da OCDE a MP traz novidades e esclarecimentos de transações que ficavam em uma lacuna de difícil aplicabilidade quando comparado com a Lei 12.715, como por exemplo, as transações com intangíveis, serviços intragrupo, contratos de compartilhamento de custos, reestruturação de negócios e operações financeiras. Tais transações associadas aos métodos citados, devem trazer uma segurança jurídica aos ajustes efetuados, quando necessários.
A MP ainda traz em seu corpo o fim da dedutibilidade para o pagamento de royalties, incluindo os de assistência técnica, científica, administrativa e semelhante a paraísos fiscais ou aqueles países que gozem de tributação favorecida e regime fiscal privilegiado.
Vigência e eficácia
A MP passa a ter vigência com sua publicação, como é de praxe nas medidas provisórias, no entanto a sua aplicabilidade é a partir de 01 de janeiro de 2023 para aqueles que optarem pela opção de aplicação das novas regras que estão dispostas no artigo 46 da MP 1152, e para os demais contribuintes, a partir de 1 de janeiro de 2024.
Vale lembrar que o Congresso Nacional tem até 120 dias para converter esta medida provisória em lei.
Não há dúvida alguma que esta Medida Provisória, se convertida em lei colocará o Brasil em outra esfera mundial, dando um passo importante para a inserção do Brasil no cenário tributário internacional.
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Feito com ❤ por Academy Contmatic.
Bacharel em contabilidade, Pós em Controladoria Estratégica, MBA em Finanças, MBA em Tesouraria Corporativa e MBA em IFRS, 32 anos em nas áreas de contabilidade, controladoria e financeiro. Experiência em Indústria, e reestruturação de empresas. Foco em empresas multinacionais de médio porte.